Todo domingo era o mesmo ritual. Eu descia do carro às pressas, corria para abrir aquele portão vermelho cor de sangue que fazia um barulho imenso, andava no meio do corredor e ao virar para a esquerda, já á via ali, sentada em seu tamburete de madeira. Ela usava uma blusa preta de flores que cobria metade da bermuda laranja, seus cabelos grisalhos e curtos estavam levados para trás por uma tiara, seus olhos azuis chegavam a dar reflexo e o seu sorriso que me fazia sorrir também.
Ela se levantava, me estendia àquela mão macia, fina e cheias de marcas de uma vida inteira. E eu pedia bença e ela sempre dizia: Deus te abençoe fia. Depois de fazer a mesma coisa com minha mãe e minha irmã, ela voltava a mexer nas panelas do fogão de lenha.
O cheiro de comida invadia toda a pequena casa que era nos fundos da casa da minha madrinha. As paredes eram metade verde-água e metades vermelhas cor de sangue como o portão. Não se podia encostar-se à metade verde-água, porque as roupas ficavam sujas de branco!
As cadeiras sempre faltavam, nunca tinha cadeira suficiente para toda a família, por isso nós, os mais novos, se sentavam no chão. Havia uma mesa de madeira bem grande, uma maquina de costura e tanques de lavar roupa.
Se tem uma coisa que ninguém pode roubar, são lembranças... Eu sei descrever a casa da minha vó, como descrevo meu quarto. Se eu fechar os olhos consigo ver tudo, as xicaras verdes, a garrafa de café, os pratos brancos, som da minha vó rindo e meu soluço de choro no dia do seu velório.
Todas essas lembranças hoje me fazem mais forte, me levam a um tempo bom, a uma nostalgia inevitável e a uma saudade imensa. Lembro-me de perguntar pra minha prima, do que seria da casa da vovó se ela morresse e minha prima não soube me responder da forma que eu queria, ela só disse: ainda teremos o vovô. Entretanto, hoje não temos mais ninguém, infelizmente.
E hoje ao visitar minha madrinha que ainda mora na casa da frente, me peguei olhando para a casa dos fundos que um dia foi dos meus avós. Ainda continua do mesmo jeito, o portão, o corredor, a caixa dos correios, a varanda e a veneziana que dava para o quarto deles.
Meu instinto foi chegar perto do portão e tentar abri-lo. Entrar lá mais uma vez, andar naquele corredor, virar a esquerda, ver a minha vó sentada no tamburete de madeira, com uma bermuda laranja, uma blusa preta de flores que cobria metade da bermuda, seus cabelos grisalhos e curtos levados para trás por uma tiara, seus olhos azuis e o seu sorriso que me fazia sorrir também.
Ela levantaria e me estenderia à mão, e eu pediria bença e ela diria: Deus te abençoe, fia. Eu a abraçaria, sentiria o cheiro do seu perfume e a abraçaria mais forte ainda e diria no seu ouvido: Eu te amo vó e eu sei que você ainda acompanha cada passo meu, obrigada!
Uma das pessoas que moram na casa gritou: Ei, o que você quer? Eu assustada disse: Nada, me desculpe. Assim eu voltei à vida real, entrei na casa da minha madrinha e me dei conta de que a vida sempre vai continuar, mas as pessoas que passarem por ela nunca serão esquecidas...