Aprendendo a andar de bicicleta
- Talita Vital
- 7 de jan. de 2017
- 3 min de leitura

Quando eu era criança, um dos meus sonhos de menina era aprender a andar de bicicleta. Via minha irmã andando e sentia inveja da superioridade que exalava dela, do poder de se locomover equilibradamente sobre duas rodas e principalmente porque ela conseguia fazer aquilo sozinha. Todo o sistema dependia dela.
E um dia eu herdei a bicicleta. Ela era de um rosa claro, guidom e pedais brancos e um pouco desgastada. E, para minha primeira aventura, meu pai colocou duas rodinhas na parte de trás e me ajudava a equilibrar e guiar a pequena bicicleta.
Depois de um tempo e de intermináveis gritos, choros e inseguranças, passei a não precisar mais da ajuda do meu pai e contava agora só com o auxilio das rodinhas na parte traseira.
Passei um bom tempo com essas rodinhas... Elas eram uma parte essencial da bicicleta. Quando meus pais anunciaram que já estava de hora de aposentá-las eu protestei. Tinha medo de não conseguir e eu não me importava se meus primos já andavam sem rodinhas, sempre tive a fama de medrosa mesmo.
Até que um dia, meu pai as tirou e quando encontrei a bicicleta entrei em pânico, mas decidi que eu poderia tentar. Os tombos voltaram junto com ajuda presencial do meu pai. Era como se eu tivesse retrocedendo todo o processo. Eu não conseguia andar sem aquelas rodinhas.
Mas como várias coisas na vida dependem de prática e costume, acabei conseguindo andar de bicicleta sozinha, igual a minha irmã. Não sei se eu exalava a confiança e a superioridade que eu via nela, mas eu conseguia ter o controle da bicicleta e isso já era grande coisa.
Pensando nisso, é bem fácil ver a bicicleta como a minha vida. Sempre lutei e reclamei por independência na minha casa, sou a filha caçula, então toda a preocupação cai em cima de mim, principalmente porque fui a primeira a morar sozinha e meus pais não tinham experiência nesse assunto.
No começo, tudo era novo. A dependência para com os meus pais era normal e fácil de ser vista nas intermináveis horas conversando com a minha mãe no telefone e nas 300 chamadas por dia que uma fazia para a outra.
Com o passar do tempo, me livrei disso. Não tinha como eu contar cada detalhe do meu dia e nem se eu tinha comido salada no almoço. Mas eu ainda tinha as rodinhas, então era reconfortante pra mim e para os meus pais, porque eu ainda tinha algum apoio e não me virava sozinha. Eu ligava pra saber como fazer arroz ou qual remédio tomar, eu ligava pra falar que eu ia no supermercado ou na casa de alguma amiga, eu avisa cada passo meu, não detalhadamente como antes, mas avisava como se eu tivesse dando satisfação.
Até que um dia, sem ninguém perceber eu fui me livrando das rodinhas. Só ligava uma vez por dia, resolvia meus problemas sem pedir opinião e decidia o que fazer por minha conta. Foi difícil viver sem elas, porque tudo dependia de mim. Eu tive que aprender a fazer coisas que eu desconhecia.
Às vezes sinto falta das rodinhas, minha vida seria mais fácil com elas, mas eu amo andar de bicicleta sem elas, eu amo ter o controle da situação, eu amo poder decidir em qual esquina eu quero virar, mesmo sabendo que há consequências ou vantagens em cada caminho.
Hoje em dia é mais fácil andar de bicicleta, os tombos nunca acabaram, mas como aprendi quando pequena, a cada tombo eu me levanto, posso demorar pra me recuperar de alguns e posso nem sentir outros, mas levantar e voltar a andar na bicicleta é regra, é obrigação.
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